Na edição de 16 de junho do New England Journal of Medicine, um estudo conduzido por A. Michael Lincoff et al. abordou a segurança cardiovascular da terapia de reposição de testosterona em homens de meia-idade e idosos com hipogonadismo e doença cardiovascular pré-existente. O objetivo do estudo foi avaliar se a terapia de reposição de testosterona poderia ser considerada não inferior ao placebo em termos de segurança cardiovascular, especialmente no que diz respeito a eventos cardíacos adversos maiores (MACE).
O estudo utilizou uma abordagem de não inferioridade, na qual os critérios de inclusão para hipogonadismo incluíam sintomas específicos e níveis séricos de testosterona inferiores a 300 ng/dL, obtidos em jejum entre 5h e 11h da manhã. A intervenção aplicada foi a administração diária de gel transdérmico de testosterona a 1,62%, com ajustes feitos para manter os níveis de testosterona entre 350 e 750 ng/dL, ou para responder a um hematócrito superior a 54%.
Os participantes do estudo eram majoritariamente homens brancos, com idade média de 63 anos e um índice de massa corporal (IMC) médio de 35. Destes, 55% tinham uma doença cardiovascular pré-existente. A média dos níveis de testosterona nos dois grupos era de 227 ng/dL. No grupo que recebeu testosterona, o aumento médio foi de 148 ng/dL, enquanto no grupo placebo o aumento foi de apenas 14 ng/dL.
O estudo concluiu que a terapia de reposição de testosterona não foi inferior ao placebo em termos de MACE, com uma razão de risco para o desfecho primário de 0,96 (IC 95%, 0,78-1,17; p-valor para não inferioridade <0,001). Apesar desses resultados, surgiram preocupações significativas em relação a essa alegação de não inferioridade, especialmente devido à margem de não inferioridade utilizada e à escolha dos componentes do MACE.
A margem de não inferioridade foi fixada em 1,5, o que significa que um aumento de até 50% na incidência de eventos adversos no grupo de testosterona seria considerado aceitável. Essa margem foi considerada superior à utilizada em outros ensaios de não inferioridade em cardiologia, que geralmente variam entre 1,2 e 1,4. Além disso, essa escolha foi feita com base em suposições, dada a escassez de estudos anteriores que avaliassem diretamente a segurança da terapia de reposição de testosterona.
O estudo utilizou um MACE de três pontos, composto por morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal e acidente vascular cerebral não fatal. No entanto, críticas surgiram quanto à escolha de um MACE de três pontos em vez de um MACE de cinco pontos, que incluiria também hospitalizações por insuficiência cardíaca, revascularização urgente e eventos tromboembólicos. A inclusão desses desfechos poderia fornecer uma visão mais completa dos riscos cardiovasculares associados à terapia.
Um estudo anterior, publicado no JAMA em 2013, que também utilizou um MACE de três pontos, indicou que o grupo de testosterona apresentou um risco aumentado de mortalidade global, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (RR 1,29; IC 95% 1,05-1,58). Esses achados sugerem que, ao utilizar uma margem de não inferioridade mais conservadora, a terapia de reposição de testosterona poderia ser considerada inferior ao placebo em termos de segurança cardiovascular.
Outro estudo, conhecido como TOM, realizado em 2010, teve que ser interrompido prematuramente devido a uma maior incidência de eventos cardiovasculares adversos no grupo de testosterona. Esse estudo utilizou um MACE mais abrangente, incluindo eventos como síndrome coronariana aguda, arritmias e morte súbita. Os resultados mostraram um aumento significativo de eventos adversos no grupo de testosterona (22% versus 5%), ressaltando a importância de considerar um MACE mais completo ao avaliar a segurança de intervenções terapêuticas.
Embora o estudo de Lincoff et al. tenha concluído a não inferioridade da terapia de reposição de testosterona em relação ao placebo, as críticas à margem de não inferioridade e à escolha de um MACE de três pontos levantam preocupações sobre a verdadeira segurança dessa terapia. A inclusão de desfechos adicionais e o uso de margens mais conservadoras poderiam alterar significativamente as conclusões sobre os riscos associados ao tratamento.
Portanto, o uso da terapia de reposição de testosterona em homens com hipogonadismo e doenças cardiovasculares pré-existentes deve ser abordado com cautela. Decisões terapêuticas devem ser baseadas em uma avaliação criteriosa dos riscos e benefícios, levando em consideração não apenas os dados apresentados, mas também as limitações metodológicas dos estudos disponíveis.
Farmacêutico e Especialista em Cosmetologia. Mestre em Ciências Médicas pela Unicamp. Diretor das pós-graduações do Instituto de Cosmetologia e Ciências da Pele, Hi Nutrition Educacional e Departamento de Desenvolvimento de Formulações do Instituto de Cosmetologia. Diretor da Consulfarma Assessoria. Atuou como Coordenador de Desenvolvimento de produtos na Natura Cosméticos e como gerente de P&D na AdaTina Cosméticos. Possui 20 anos de experiência na área farmacêutica e cosmética. Professor e Coordenador dos cursos de pós Graduação com MBA do Instituto de Cosmetologia.
Coordena Cursos Internacionais em Desenvolvimento de Cosméticos na Itália, França e Espanha. Atua em desenvolvimento de formulações para mercado Brasileiro, Europeu e América Latina. Atuou em indústria farmacêutica, farmácias magistrais e elaborou diversos projetos de desenvolvimento de linhas de produtos cosméticos nas empresas Consulfarma Assessoria.?Colunista no Prospector.
Coordenador da Comissão de Farmácia de Estética do CRF-SP.
Fundador do Cosmético Seguro.