Felinos são animais lindos e encantadores, mas também peculiares. Principalmente na rotina magistral. Por isso, é tão importante o conhecimento dessa espécie tão característica, seu comportamento, sua fisiologia e todas as suas peculiaridades farmacêuticas e veterinárias. Com esse conhecimento, podemos manipular de forma eficaz e principalmente segura.
Na administração de medicamentos, os felinos são uma espécie difícil de medicar através de cápsulas, pois pelo comportamento característico da espécie são animais desconfiados e ariscos, podendo se tornarem agressivos em vista de uma situação diferente da rotina habitual. Portanto, a manipulação veterinária é uma aliada no sucesso do tratamento, pois pode-se individualizar a terapêutica principalmente com a utilização de formas farmacêuticas diferenciadas ou específicas para a espécie em questão, sabores e aromas mais interessantes para felinos.
Já falando sobre isso, os gatos têm uma língua longa e flexível, sendo de superfície áspera e cheia de espículas, mas que não tem função gustativa, pois são utilizadas para alisar e limpar os pelos. Mas na base, ponta e lados da língua do gato, existem outras papilas que exercem a função gustativa, permitindo que o felino perceba o sabor. Os gatos domésticos têm uma sensibilidade marcante ao sabor amargo e conseguem discerni-lo de forma significativa. Eles também percebem o sabor salgado, porém não demonstram interesse por alimentos com sabor doce. Isso se deve ao fato de que, ao longo de seu processo evolutivo, os receptores para o sabor doce nesses animais foram desativados.
Vários fatores podem influenciar as percepções gustativas, incluindo a idade, que tende a diminuir a sensibilidade ao paladar, bem como certas condições médicas e medicamentos, como as tetraciclinas. Edulcorantes são frequentemente adicionados às formulações para melhorar a palatabilidade, mascarar o sabor de substâncias ativas ou de outros componentes. No entanto, é importante ter em mente que alguns edulcorantes são desaconselhados para uso em felinos devido a possíveis reações adversas, como é o caso do sorbitol, que pode causar diarreia em animais.
Os gatos apresentam duzentos milhões de terminais olfativos, já os humanos cinco milhões. O aroma nos gatos é acentuado pelo órgão vomeronasal também chamado de órgão de Jacobson, que é uma adaptação anatómica do órgão olfativo sensorial que amplifica o aroma. Os aromatizantes são utilizados em preparações farmacêuticas para modificar o sabor e o aroma, o que pode afetar a aceitação do medicamento pelo animal. A agradabilidade do sabor de um medicamento é crucial para garantir a adesão à terapia, pois um sabor desagradável pode levar o animal a recusar a medicação necessária.
A farmácia de manipulação deve estar atenta às medicações adequadas para uso em felinos, bem como às formas farmacêuticas e aos componentes dos veículos utilizados na preparação dos medicamentos. Assim, é essencial possuir um amplo conhecimento e estudo relacionados a essa espécie para garantir a segurança e eficácia dos tratamentos. A incidência de toxicidade em gatos na prática veterinária muitas vezes é subestimada.
Componentes de veículos farmacêuticos também podem ser uma fonte de intoxicação para o felino.
Fazendo uma correlação entre cães e gatos, que são as espécies que comumente a farmácia magistral recebe prescrições, as diferenças entre o volume de distribuição dos fármacos são pequenas. A concentração plasmática dos fármacos pode ficar elevada nos gatos, quando o mesmo regime de dose é utilizado para ambas as espécies, ou seja, uma dose indicada para cão é administrada ao gato, o que é explicado devido às diferenças no volume sanguíneo, sendo nos cães de 90 ml/kg e nos gatos de 70 ml/kg, ficando o fármaco confinado em um compartimento de fluido menor.
Os receptores para drogas, como receptores alfa, receptores para esteroides, entre outros, são semelhantes aos de outros animais. O metabolismo do fármaco pode ser diferente, afetando diretamente a eliminação da droga e/ou de seus metabólitos. Essa diferença no metabolismo resulta em diferentes concentrações da droga ou de seus metabólitos, podendo causar diferença na eficácia terapêutica e até toxicidade.
Já na biotransformação, a maior problemática é a deficiência na conjugação de glicuronato que é justificada pela baixa concentração de glicuranil transferase. Quando ocorre falha nessa via metabólica, é feita a conjugação alternativamente pela via do sulfato. Portanto, algumas drogas que são excretadas como conjugado glicuronato em cães são excretadas como compostos sulfatados em gatos. Entretanto, em felídeos, o sistema de conjugação com o sulfato pode ser facilmente saturado. Deficiência no processo de glicuronidação é o que predispõe os felinos a efeitos tóxicos das drogas do grupo fenol e aumento da meia-vida de certas drogas.
Os felinos possuem duas formas de hemoglobina em seu sangue, denominadas HbA e HbB. A hemoglobina dos gatos contém pelo menos oito grupos sulfidril oxidáveis, enquanto os cães possuem quatro e os humanos apenas dois grupos. Esses grupos sulfidril são reativos e, portanto, suscetíveis à interação com fármacos ou metabólitos. Em presença de um agente oxidante, a hemoglobina felina possui mais grupos sulfidril disponíveis para serem oxidados, o que pode aumentar a vulnerabilidade dos gatos à injúria oxidativa nos glóbulos vermelhos. A metahemoglobina é formada quando compostos endógenos ou fármacos oxidam o ferro para o estado férrico. A metahemoglobina é incapaz de transportar oxigênio, e sua acumulação acima dos níveis normais pode levar ao desenvolvimento de metahemoglobinemia.
Para prevenir a acumulação de metahemoglobina, é necessário que as vias metabólicas responsáveis pela redução da metahemoglobina à hemoglobina estejam presentes e funcionais. Muitos medicamentos associados à metahemoglobinemia também podem causar a desnaturação oxidativa da hemoglobina, levando à formação de corpúsculos de Heinz. Estes corpúsculos aumentam a fragilidade dos glóbulos vermelhos, resultando em anemia hemolítica. Enquanto a formação de metahemoglobina é um processo reversível, a formação de corpúsculos de Heinz é irreversível e pode culminar em hemólise.
Então, é necessário muito conhecimento, estudo e dedicação para com essa espécie, assegurando assim um bom trabalho e uma manipulação segura e efetiva a esses animais.
Médica Veterinária e Farmacêutica, Vanessa é Consultora Técnica na área de farmácia magistral há 20 anos. É Pós Graduada em Dermatologia Veterinária, Farmacologia e Clínica Veterinária, Cosmetologia Clínica, Nutrição e Medicina Ortomolecular. Também é Mestranda em Biotecnologia alimentar e nutrição. Além disso, é palestrante nas áreas farmacêutica e veterinária, com ênfase em manipulação magistral. Vanessa é Gerente do departamento Veterinário da Consulfarma e coordenadora das Pós Graduação de Farmácia Veterinária.